domingo, 20 de abril de 2014

A Queda


"Dia sim, dia não, eram visitados pelo médico da vila, que vinha examiná-los de modo a evitar infecções ou qualquer outro desastre que pudesse surgir. Dia sim, dia não, ele vinha. Examinava o ombro de Michael, que se encontrava quase repleto de carne e pele e que melhorava a olhos vistos, observava a mão de Rafael, que já estava curada, mas que insistia em envolver em ligaduras, e por último desembrulha a perna de Gabriel e, de olhos arregalados, exclamava: "Estes miúdos de hoje em dia...!"
  - Já posso andar, senhor? - perguntou Gabriel, depois do médico lhe cobrir com ligaduras, de novo, a perna.
  - Não - respondeu. - A tua perna parece estar bem, mas feridas como estas não se curam assim. Deve haver mais alguma coisa que eu não consigo ver.
  A dor já não os apoquentava, mas mesmo assim o médico insistia em embrulhá-los naquelas ligaduras parvas, e agora começavam a pensar que ele não fazia ideia do que estava a fazer.
  Sabiam que se tinham curado depressa. Feridas daquelas demorariam, com certeza, mais do que seis meses a curar-se e eles tinham ficado bons em duas semanas, mas o homem já começara a ganhar o nome de "imbecil" devido ao tratamento que lhes dava.
  Não podiam sair do quarto, mas durante o dia, quando sabiam que ninguém vinha, aproveitavam para se levantar, esticar as pernas, lutar um pouco e fazer tudo o que seria saudável e normal para rapazes com a idade deles: saltavam da cama de Michael para a de Gabriel, corriam durante três ou quatro horas e, de vez em quando, gostavam de se pendurar na parte de fora das janelas por uma ou duas horas. Comiam apenas ao pequeno-almoço e ao jantar, mas, com o decorrer do tempo, isso era algo que os incomodava cada vez menos.
  Embora fosse Verão, os dias continuavam farruscos, e numa tarde, enquanto Gabriel e Rafael se esmurravam, Michael pendia por um braço do lado de fora da janela. Conseguia sentir a rugosidade das pedras frias da mansão, e ao mesmo tempo que reparava num ratinho que cheirinhava a terra, Muriel entrava no quarto.
  Os três irmãos tinham concordado que os pais não podiam saber o que faziam durante o dia, por isso, quando Michael ouviu a voz da mãe, que trazia a notícia da parte do médico, que já podiam mexer-se à vontade e sair do quarto, e que perguntou onde ele se encontrava, o seu instinto ditou-lhe: "Larga!". E largou.
  Foi uma queda de dois segundos, durante os quais o vento soprou mais forte, os seus olhos se fecharam e aterrou andar e meio mais abaixo, sobre algo que provocou um estrondo seco de tábuas a partir.
  Muriel, Gabriel e Rafael correram para a janela. Nenhum deles sabia o que tinha acontecido e, quando se debruçaram sobre o parapeito de pedra, puderam ver.
  Michael encontrava-se dentro de um buraco quadrado com cerca de um metro de profundidade e pouco mais do que a sua largura. Estava encolhido e de olhos fechados e no seu pensamento ainda ecoava a palavra "morri".
  - Michael! - exclamou Muriel.
  O rapaz abriu os olhos.
  - Estás bem? - perguntou Rafael.
  - Estou - respondeu olhando para cima.
  Levantou-se, esticou as pernas, verificou se não tinha nada partido e, para seu espanto e alívio, percebeu que estava tudo no sítio.
  - Está tudo bem! - afirmou, olhando de novo para os irmãos e para a mãe, sorrindo.
  Muriel estava estupefacta, de boca tapada com a mão, e Rafael e Gabriel  estavam calados. Todos tinham um olhar aterrorizado e nenhum dizia uma palavra.
  - O que foi? - perguntou o rapaz.
  Começava a ficar assustado, e com razão.
  - Michael... - disse Gabriel, apontando.
  Ao início ficou baralhado, pois o irmão acabara de apontar para si, mas foi então que resolveu olhar para o chão que pisava.
  - Aah! Merda! - gritou.
  Num segundo pôs-se fora do buraco, sacudiu-se , e lá estava ele. Estava contorcido, partido, rasgado e sujo, com expressão de horror."

 E pronto, uma noite mal dormida por causa da escrita :P espero que gostem e peço desculpa pela demora.