segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Um Céu de Pássaros de Água

"  E um dia deu-se o que, para Michael, foi um pouco inesperado.
  Era de madrugada e o dia acordara tomado de um humor tropical: morno, sem nuvens  espessas nem sol brilhante, e nos bosques a luz que se instalara era de um verde bonito de água estagnada que, filtrada pela folhagem, criava uma luminosidade serena interrompida por pequenos brilhos causados por farrapinhos de pó ou pólen fugido de flores. Eva estava entretida a nomear espécies de pássaros de que se conseguia lembrar e Michael limitava-se a escutar e mostrar os dentes num sorriso brincalhão.
  - Pronto, pronto! - disse o rapaz entre risadas. - Já percebi que as conheces bem!
  - Mas eu posso continuar! - exclamou Eva, trocista. 
  - Ai é?! Então vá!
  Seguiu-se uma pausa muda.
  - ... Não sei mais - confessou, corando um pouco.
  Michael voltou a rir-se, mas nada disse. Em vez disso saltou com os olhos de árvore em árvore, procurando algum habitante das alturas com que pôr Eva à prova. Em vez disso encontrou um bando mirando-lhes as cabeças lá do alto, calados e de olhos vidrados neles. Eram coloridos. O suficiente para Michael saber que não eram dali. Nunca tinha visto nenhum como aqueles, por isso pensou que talvez estivessem de passagem e sabia que bastava um movimento brusco, uma fala mais alta na sua direcção e num bater de asas desapareceriam antes que Eva pudesse pôr-lhes a vista. 
  Contemplou-os por uns momentos enquanto a rapariga continuava distraída com algo que produzia um segredar no vento. Nada que os pudesse assustar. Os seus olhos pequeninos e brilhantes continuavam prisioneiros da imagem curiosa que eram aqueles dois intrusos, por isso Michael esticou o braço devagar, e com a ponta dos dedos tocou no ombro de Eva. Teve que a agarrar logo a seguir, pois, com toda a sua energia, a rapariga preparava-se para dar um salto e perguntar "O que foi?" na sua voz doce e alegre. Mas calou-se com o gesto de Michael. Em vez disso virou-se devagar, ritmada pela calma do rapaz, para observar o que viria de mais bonito durante os seus longos anos de vida.
  Com aquela luz, as cores exibidas pelas aves eram ainda mais brilhantes. Tinham gotas, como geada derretida, que lhes escorriam desde o cocuruto da cabecinha até à ponta de cada pena. Faziam com que parecessem feitos de água colorida, e no entanto não se desfaziam. Nem sequer pestanejavam. 
  Os olhos de Michael pareciam ter-se apaixonado. Estava petrificado olhando as pequenas criaturas, mas foi puxado de volta à consciência ao sentir um toque leve no seu ombro demónicamente frio. Simultaneamente apercebeu-se de um respirar profundo junto das suas costas, e quando olhou por cima do ombro, de maneira a certificar-se do que era, foi barrado por uma cascata dourada composta por fios de ouro que lhe escorriam ondulosos ao longo do braço. 

  Cheiravam bem. Possuíam um odor único a natureza que Michael não conseguia decifrar. Não sabia se eram flores, se eram folhas, se eram frutos ou até mesmo uma mistura. Uma homogeneidade de tudo o que conhecia e apreciava envolta num suspiro suave que se seguiu de um murmurar ao seu ouvido.
  - Estes não conhecia."

Mais uma pequena parte do livro, esta com um gosto um pouco diferente, que promete transmitir mais um pouco de emoção transcrita por mim e que espero que gostem de ler :)

3 comentários: