sábado, 30 de agosto de 2014

Futuro de Ti

"  Mais uma noite em que me sinto a rebentar. Desta vez tenho que apertar um pouco a letra, pois só tenho esta metade de folha e, apesar de não saber quem és, ou mesmo de existes, dás-me vontade de escrever. Dás-me vontade de ter-te nos braços e sentir que estás bem, feliz. Que estamos.
  Ás vezes penso em como tudo seria. Imagino um pouco do filme perfeito em que mergulhamos algures num oceano do mundo, de olhos afundados uns nós outros, talvez até fundidos num só. Tento pensar em como soeria uma vida assim, contigo que, por enquanto, és apenas uma parte do meu vaguear pelas possibilidades de uma vida que há quem diga que é especial.
  Se é ou não, não sei, e, mesmo que tentasse, não to poderia dizer, por isso escrevo-te estas cartas. Talvez um dia as leias, talvez ainda no teu canto perdido no mundo, e saibas que estou a caminho de contemplar esse teu sorriso de um rasgado bonito, de te segurar quando cais, ou mesmo quando não estás para cair, só pelo gosto de segurar um futuro como é o que te contém, nos meus braços debilitados.
  Nestas mãos duridas, segurarei as tuas, neste peito chato, apoiarei a tua cabeça em momentos bons, quando os teus lábios deixarem fugir um raiozinho de luz, maus, quando os teus olhos se cerrarem numa noite chuvosa, ou apenas de sonho, quando o fizerem em forma de noite estrelada de sonhos cobertos de "nós", da vida que iremos levar e de tudo o que o mundo promete prometer.
  Até lá, até que te conheça e te adore, sabe apenas que és a minha salvadora, a minha anja (se é que tal palavra pode existir), e que sem ti, este não seria "eu".

  Com um beijo que dure para sempre 
  Francisco."



Uma outra carta que decidiu ser escrita e que se dirige a alguém especial :) espero que gostem e que as continuem a ler! O livro há-de continuar e hei-de publicar mais excertos, por isso tentem não perder o fio à meada! 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Perdida

  Hoje é uma daquelas noites. Uma de inspiração em que o coração me explode e se espalham manchas de tinta nesta folha de papel suja. Esta noite não sei sobre o que quero escrever, nem porquê, mas já são três da manhã e os meus olhos não parecem querer fechar.
  Não sei do que hei-de falar, e, por isso, falarei de alguém.

  Não te conheço, nem sei quem és. Sei apenas que te encontras para lá desta porta, algures no mundo. Não sei quem és e, de ti, sei apenas que estás por aí, perto ou longe e tão perdida quanto eu, por isso gostava que lesses esta carta que te mando:

"  O mundo é um lugar enorme, confuso e agitado, que nos tortura pela vida dentro. Chega a ser assustador. Dá-me medo, pensar que posso nunca te ver, nunca sentir as curvas perfeitas das tuas feições, o doce dos teus lábios ou sequer a brisa de um abraço teu. É um mundo cruel, este que nos deixa perdidos e desesperados, procurando segurança até no mais fraco fogo de te sentir junto ao peito, trémula, numa noite fria.
 Mas sei que estás algures perdida, e, por isso, tenho que sair, vasculhar todos os cantos deste mundo redondo sem saber do meu futuro e querendo esquecer um passado sem ti. É difícil, mas prometo-te que vou continuar sem nunca arrepiar caminho, que vou encontrar coragem na simples imagem de um sorriso que arranco da imaginação, e que um dia te vou olhar nos olhos, beijar-te os lábios, abraçar-te a cintura e, para que nunca te esqueças, prometo que, todas as noites, entre sonhos e realidade, te segredarei ao ouvido o quanto te vou amar.
  Sei que pode demorar, mas, até lá, imagina que a vida é como uma estrada: curta ou comprida, tem sempre um fim, que é onde te encontrarei.

Um até breve e Um beijo,
De quem te vai amar."


Espero que gostem deste pequeno momento, que nada tem a ver com o livro, mas que espero que se leia tão docemente quanto o senti :)

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Noite na Floresta

"  A presa estava ainda a alguma distância e, antes que estabelecessem contacto visual, Rafael tropeçou ruidosamente duas ou três vezes. Eva estava prestes a mandá-lo de volta para casa, na sua tirania implacável, quando avistou o que esperava poder caçar.
  Era uma visão rara, naquela ou em qualquer região, mas lá estava ele: um lobo enorme, de pelagem cinzenta, cheirando o chão. Enquanto o observavam, viram como se movia com músculos fortes e evidentes, uma cabeça gigante e majestosa e olhos e dentes que, quando a luz lunar encontrava uma fresta por entres as folhas e ia ao seu encontro, brilhavam de tão brancos que eram.
  - Então? - segredou Rafael - E agora?
  Imediatamente, Eva cobriu-lhe a boca.
  - Cala-te que nos ouve!
  E, realmente, Michael conseguiu notar como o animal elevou a cabeçorra e virou as orelhas à sua volta, procurando a fonte daquele segredar. Devagar e cuidadosamente, Eva recuou, puxando cada um dos irmãos pelos seus ombros, liderando-os para longe da besta.
  - Lobos é que não! - regrou assim que estavam longe o suficiente e antes que Rafael lhe lançasse mais alguma pergunta.
  - Porquê?
  - São perigosos. Nunca se sabe se são apenas lobos, nem se estão sozinhos - explicou Eva.
  - Mas parecia estar sozinho - afirmou Gabriel. - E, com isto tudo, também estou a ficar com fome.
  - Também eu, mas nunca se sabe quantos outros podia chamar. É raro e estranho um lobo estar só, a não ser que se sinta pronto para partir, e não me pareceu ser essa a situação.
  - E agora?
  - Agora continuamos - informou a rapariga, retomando a passada à sua forma decidida.
  A noite ainda era jovem e haveriam hipóteses para todos experienciarem aquilo que a Eva fazia vibrar de prazer. Nenhum deles sabia como iria correr, nem mesmo Eva, mas a rapariga olhava para os irmãos: um de costas viradas para si, que a seguia caminhando à sua frente, outro ao seu lado, perdido nos seus pensamentos e o último um pouco mais atrás, atrasado pela sua personalidade aluada e pelos seus tropeções constantes, e sentia uma ligação forte com cada um deles. Não era certo, mas talvez isso se devesse ao facto de todos eles serem um pouco como ela e até um pouco dela.
  Michael e Eva eram idênticos: ambos fortes, tanto física como psicologicamente. Gabriel era o mesmo, embora, nas suas acções, ainda deixasse transparecer um pouco mais de desequilíbrio. Ainda assim tinha uma boa alma, e Rafael era a inocência em pessoa. Talvez fosse o ser humano mais desajeitado que Eva tinha conhecido ao longo da sua vida, o que não significava muito, visto que metade dela a tinha passado enterrada e isolada do mundo, mas ainda assim sabia que, quando posto sob pressão, respondia à letra. A sua bochecha esquerda, antes fortemente esmurrada, era a prova e o motivo que lhe moldara tal impressão. Era um bom trio e, por isso, Eva sentia-se feliz. Estava finalmente acompanhada."




Mais um excerto que está lançado. O livro vai-se desenvolvendo mais e mais, cheio de mistérios e aventuras, e agora aproxima-se um dos capítulos mais importantes e excitantes de toda a história. Obrigado pelo apoio que me tem sido oferecido e espero que continuem a seguir a leitura para saberem o que vem a seguir :)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Afinal, O Que És Tu?

"  Eva suspirou um pouco. Estava a preparar-se, ela própria, para a brisa que há tanto esquecera, mas à qual agora escolhia permitir a entrada. A sua única dúvida era o efeito que teria, mas, afastando o medo, aconchegou as mãos no conforto uma da outra com os dedos encruzilhados e as palmas fundidas, cruzou as pernas e encolheu os ombros, como se se preparasse para aguentar uma força que a tentava arremessar contra a parede. Parecia estar a querer resistir à força do seu próprio passado.
  - Nesse dia os franceses chegaram à linha de Torres Vedras, de pois das espingardas e armas serem polidas, carregadas, polidas e afiadas, limpas e prontas a disparar. Deram-se trocas de tiros e o cerco levou semanas a terminar, mas quem estava pior eram eles!
  - E os teus pais tinham-te sempre com eles? Mesmo com essas batalhas todas? - perguntou Michael.
  - Sim - respondeu Eva. - Eu era o que era. Aguentava melhor a fome do que toda a gente, mas quando havia caça também era quem mais comia!
  Disse isto com um ar de satisfação e orgulho que poria qualquer um feliz, e depois continuou.
  - E durante semanas ali ficámos, até que o exército hostil decidiu retirar. No início, achava-se que o plano era afastarem-se apenas, para recuperar, por isso perseguimo-los até atravessarem a fronteira e voltarem para Espanha."
 " Ainda se deram duas batalhas importantes e, na última, quando a vitória era nossa, o meu pai esteve a uma unha negra de perder a vida.
Se ele não se tivesse distraído, tínhamos vivido estes cinquenta e três anos como pessoas normais, mas a culpa não foi dele. Alimentar-se está-lhe no sangue, e, quando acabou com um dos últimos soldados franceses, o sangue absorveu-lhe todo o auto-controle. O meu pai desapareceu, consumido pelo desejo de demónio, e, ao testemunhar a existência desta estranha criatura, de que já se tinha ouvido falar, mas nunca ninguém realmente vira, um outro soldado, contrariamente a todos os outros que o mesmo viram e fugiram, quis trespassar-lhe o coração, como ouvira que devia fazer-se."
  "Eu ficava sempre por perto durante as batalhas, com a minha mãe, e quando percebi o que se passava, todos ficaram a saber que sou o que sou."
  "O soldado congelou no lugar onde tinha erguido a espada. Com um gesto impulsivo, paralisei-o de dor, esmaguei-lhe o corpo e todas as veias e, em poucos segundos, morreu, privado de todo o sangue que
tinha no corpo. A sua cor vacilou entre o normal, o vermelho e o branco esverdeado que a mistura das suas veias esmigalhadas e da sua pele seca lhe dava.
  Disse tudo isto com um prazer escondido nas suas feições, o que era um pouco aterrorizador. Conseguia observar-se nos seus olhos que, aquele homem, Eva tinha gostado de matar. Era uma mulher protectora, disso não havia dúvida."


Mais um excerto sobre Eva, pois, tal como a vocês, a rapariga também me deixa curioso! Mas, simultâneamente infeliz e felizmente, o mistério continua e espera-se mais um excerto que virá depois de todos terem lido um pouco mais sobre Eva.
Comentem, partilhem e tudo isso. Ajuda a divulgar é sempre bem vinda! :)
 

sábado, 2 de agosto de 2014

Um Pouco de História

"  - Então, já podes contar! - exclamou Rafael.
  O jantar tinha sido bom. Mais uma vez, uma pratada cheia de carne para cada um e só depois de repetir é que estavam prontos para voltar a subir.
  À mesa todos tinha estado entretidos. A conversa tinha sido animada e sobre todos os temas, como por exemplo os tempos de guerra já passados, que era um tema que normalmente William evitava, o país que tinham deixado e que queriam relembrar, a caça e até mesmo os próprios bosques.
  Depois de acabarem, os pais saíram para um dos passeios do costume e, assim que estavam fora do alcance da vista, os irmãos apressaram-se pelo o arco que os levava da sala de jantar ao hall de entrada, subiram a escadaria aos tropeções uns nos outros e a toda a velocidade e correram para o quarto. Quando chegaram, Eva já se encontrava sentada numa das camas abraçada a uma almofada, de sorriso cortado nos lábios e olhos fixos na porta, como se já soubesse que eles aí vinham.
  - Está bem - disse enquanto os irmãos se sentavam por perto.
  Gabriel foi buscar o cadeirão, visto que Eva tinha ocupado a sua cama por ser a do meio, e os outros dois sentaram-se na cama de Michael. Estavam todos o mais perto possível para não perderam nada do que Eva tinha para contar.
  - Podes começar... - disse Gabriel.
  Eva estava a demorar um pouco, talvez por estar a tentar lembrar-se de tudo, mas Gabriel estava demasiado curioso, o que fez com que a rapariga soltasse um risinho, e depois começou:
  - Os meus pais não são mesmo meus pais. Para dizer a verdade, não vos posso contar tudo sobre eles, porque não os conheço assim há tento tempo. Pelo menos não tanto como há quanto são vivos. Nem sequer sei bem quantos anos é que têm, mas isso agora não interessa.
  - Posso fazer um pergunta? - perguntou Rafael antes que Eva pudesse continuar.
  - Claro! - respondeu, sorridente.
  - Vocês são os três... diferentes... mas não são uma família? Se eles não são teus pais, como é que és uma dessas coisas?
  - Eu não sou. Sou mais ou menos o que vocês são.
  - O que é que nós somos? - perguntou Michael. - Nós somos pessoas normais.
  - Normais já não, mas eu depois explico - respondeu Eva, para poder continuar. - Eu fui encontrada por eles quando tinha três anos."
  "Antes de tudo acontecer e termos que nos esconder no salão, os meus pais eram como guardiões. Sempre que havia uma guerra eles lutavam por Portugal e nunca ninguém lhes perguntou como é que faziam o que faziam, nem sequer porquê. Não importava, desde que o povo estivesse a salvo e as batalhas fossem ganhas, mas começou tudo na terceira invasão francesa."
  "Nas outras invasões os meus pais nunca se meteram muito, mas a última começou perto e passou mesmo por aqui. Os meus pais foram obrigados a lutar, porque, para além do povo, a casa deles também estava em risco. Sempre gostaram disto aqui, por ser calmo, recatado e, por causa disso, ser um sítio bom para passarem despercebidos, e como todos gostavam deles, pronto...
  - Então e o que é que aconteceu para vos obrigarem a esconder-se? - perguntou Michael.
  - Aconteci eu - respondeu Eva encolhendo os ombros."


Desta vez trago-vos "Um Pouco de História", para que possam conhecer um bocadinho mais de alguns dos personagens. É certo que não há tanta acção, mas escrever estas partes não deixa de ser interessante :) Mais uma vez, espero que lê-las também o seja!
Obrigado! :)

terça-feira, 22 de julho de 2014

Eva

"  Depois de se separarem de Michael, Gabriel e Rafael correram em direcção às portas. Tinham que chegar ao quarto o mais rápido possível. As camas tinham que ser desfeitas e os lençóis e os cobertores amarrados e lançados pela janela.
  Quando entraram deram de caras com Josie, mas iam tão depressa que a única coisa que a empregada viu foi um par de vultos seguidos de uma brisa leve que lhe sacudiu as pontas do avental e do vestido e a deixou a falar para o ar ao tentar avisá-los que William os queria à mesa. Mas os irmãos não a ouviram. As suas mentes estavam já trancadas no quarto e, segundos depois, também os seus corpos lá se encontravam.
  Depressa desfizeram as três camas, deixando apenas um lençol sobre um dos colchões para que a pudessem deitar. Já sabiam que ia ficar tudo manchado, mas eram bons a inventar desculpas e, se alguém fizesse perguntas, era o que fariam.
  - Já está? - Perguntou Michael lá de baixo, quando Rafael acabava de fortalecer o último nó, dando-lhe outro por cima.
  - Está quase! - gritou por cima do ombro, enquanto passava o rolo duplo de lençóis à volta do pescoço.
  Michael estava a ficar preocupado. A rapariga começava a ficar branca como mármore branco, provavelmente por causa de todo o sangue que perdera. Estava quase a gritar, para a janela, que se despachassem, quando apanhou com uma cobra de cobertores na cabeça.
  - Desculpa! - gritou Rafael.
  Michael não respondeu. Estava agoniado, pois começara a sentir de novo aquele cheiro nojento. Queria chegar ao quarto, pousá-la e tratar dela depressa, para que acordasse e lhes respondesse a todas as perguntas que tinham, por isso puxou o rolo de tecido até à altura do chão, encaixou a cintura da rapariga no seu ombro e agarrou-se o melhor que conseguiu.
  Usando o corrimão de pedra do varandim com apoio, para facilitar, Gabriel e Rafael içaram o irmão e, pouco depois, ajudavam-no a a trepar para o quarto. Embora já todos tivessem dado pelo odor nauseabundo, conseguiram ignorá-lo. Gabriel aliviou o irmão do peso da rapariga, transportando-a pelo quarto até à cama, enquanto Rafael puxava o irmão pelo braço, agora também encharcado com o líquido vermelho vivo. Ainda tinham no quarto um alguidar de ferro cheio de água que tinham usado, nessa manhã, para lavar a cara, e, aproveitando que lá estava, Michael passou o sangue, que lhe manchava o antebraço, por água, até deixar de estar peganhento.
  Depois aproximaram-se da cama onde Gabriel a  tinha deitado.
  - Rafael, desfaz o rolo de lençóis e dá-me um deles, por favor - pediu Michael.
  - Está bem.
  - Gabriel, ajudas aqui? - sugeriu, desapertando o colete, que ainda estava atado à canela da rapariga.
  Com as duas mãos e muito cuidado, Gabriel afastou-lhe a perna do colchão, Rafael entregou a Michael um rectângulo de tecido limpo, dobrado, e este substituiu o colete ensopado pelo lençol, atirando-o depois pela janela, pois tinha percebido que era a fonte daquele cheiro horrível.
  Usando mais um dos lençóis e a água do alguidar, limparam-lhe  os cortes fundos, que ainda jorravam sangue, e voltaram a envolvê-los com cuidado e mais apertados. Teriam chamado o médico da vila e tratado da rapariga, se não fosse ela. Desconheciam o seu nome, não sabiam quem era e as suspeitas que tinham sobre ela não os ajudavam nas suas desconfianças, e agora tinham uma assassina adormecida no seu quarto.
  As suas feições estavam tranquilas, tinha a pele de um branco de morte, mas viam que respirava, por isso, para que não lhes fugisse e desaparecesse de novo, decidiram que seria melhor vigiá-la.
  - Devias ficar tu aqui, Michael - disse Rafael.
  - Estás todo sujo - continuou Gabriel. - Se ficares aqui evitamos perguntas.
  - Não sei. Vão fazer perguntas na mesma.
  - Nós dizemos que não te sentes bem, trazemos-te comida e pronto - declarou Rafael, com um sorriso de satisfação estampado na cara.
  - Está bem. Tentem não demorar, então!
  Tinha fome, mas, embora ainda não o tivesse admitido, estava mesmo mal disposto, por isso, de qualquer maneira, precisava de ficar à janela, de nariz ao ar livre, para se conseguir livrar do cheiro que se lhe instalara nas vias nasais.
  E assim foi. Gabriel e Rafael desceram e Michael pendurou-se na janela, voltando para dentro pouco depois. Estava curioso. Queria saber mais sobre a rapariga, por isso, na esperança de aprender observando, puxou o cadeirão da lareira para perto da cama e sentou-se, fixando, com os seus olhos, a rapariga, o seu vestido e os seus cabelos sujos. Tinha pestanas compridas e negras que contrastavam com os seus fios de cabelo dourados. Tinha um nariz redondo e delicado e queixo e pescoço finos, tal como os seus braços, embora Michael já tivesse testemunhado o quão fortes eram.
  O quarto estava em silêncio. Não passava ninguém no corredor, e foi aí que Michael reparou nas rosas. Pequenas rosas bordadas no vestido branco, igualmente sujas. Quis tocar-lhes, mas, por algum motivo, tinha um pouco de medo. Já tinha a mão estendida no ar na direcção do tronco da rapariga, quando hesitou, deixando-a imóvel mas trémula a meia distância do vestido.
  "E se acorda e me ataca outra vez?" perguntou-se. Pensamento que o fez recuar um pouco, mas era mais curioso do que medroso. Ajeitou-se no cadeirão e aproximou a mão do vestido, de novo. As rosas eram pequeninas e às centenas e, embora estivessem manchadas, sentia-as como se tivessem sido acabadas de lavar. Eram feitas de pequenos rolos de tecido com pétalas em círculo e raminhos esculpidos na malha.
  - Ah...!!
  Sem que tivesse reparado, a rapariga tinha aberto os olhos."


Novo capítulo começado e a aventura continua :) espero que, tal como eu não consigo parar de escrever, não consigam parar de ler!
  

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Esfera que Flutua "" The Floating Sphere

"  De vez em quando deixavam a mente vaguear um pouco, entreolhando-se e olhando à sua volta. Observavam as nuvens, as ervas altas que libertavam aquele odor forte e todas as lápides que enchiam o quadrado formado pela cerca de ferro preto.
  Por vezes ouviam uma pessoa tossir ou outra a fungar e afundar a cara no trapo velho que servia de lenço.
  Michael não se sentia triste, mas sim nostálgico, tal como os irmãos. Não sabia como nem o porquê de estarem ali, agora, mas não fazia diferença. O que era, era. E então, visto que gostava de observar, procurava distracção em tudo à sua volta. Viu como, mesmo sem luz, tudo brilhava, como que chorando, sentiu o vento nas mãos transpiradas e fixou as árvores que dançavam ao longe, apenas para notar que entre elas estava um brilho mais intenso. Manteve o olhar fixo nele, pois não conseguia decifrar o que era, mas ao fim de poucos minutos desapareceu, por isso Michael voltou a prestar atenção a tudo o que o rodeava. Pessoas tristes e vestidas de preto, que, no fim das orações e dos caixões desaparecerem no escuro da cova, começaram a arrastar os pés de volta à sua vida. William e Muriel seguiram-nos, e os irmãos ficaram um pouco mais.
  - Que estupidez - disse Rafael.
  - O quê?
  - Isto tudo - continuou.- Acho estúpido que os enterrem.
  - Nem todos pensam assim - ripostou Gabriel. - Não tens que ser tão bruto.
  - As pessoas perdem a dignidade toda, assim.
  - Não sejas parvo! - exclamou Michael.
  E virou costas, começando a andar em direcção à saída, seguido pelos irmãos.
  Estava prestes a alcançar o pequeno portão de ferro preto que fechava o quadrado, quando Gabriel o agarrou pelo braço da camisa, que estava ao alcance dos seus dedos pois era apenas sobreposta por um colete de um negro brilhante.
  - Ai! - resmungou. - Que foi?
  - Olha - disse o irmão.
  E apontou para as árvores, ao longe, onde agora se encontrava o estranho brilho branco que Michael tinha observado, momentos antes. Um pequeno circulo claro que flutuava conjuntamente com as folhas verdes ao sabor do vento.
  - O que é? - perguntou Rafael a si mesmo, embora o tivesse feito em voz alta.
  - Não sei - respondeu Michael. - Parece uma bola de fumo.
  - Se fosse uma bola de fumo não ficava no mesmo sítio durante tanto tempo - constatou Gabriel.
  - Eu sei, mas não conheço mais nada que flutue assim.
  Entretanto já se tinham esquecido do pequeno portão, caminhando em direcção ao que ainda tomavam como sendo uma bola de fumo. Por segundos viram-se impedidos de andar, pois no seu caminho, embora esquecida, ainda estava a cerquinha preta de meia altura, mas pouco depois já lhe tinham passado as pernas por cima, e, numa fracção de segundos, passou de obstáculo a apenas mais um elemento da paisagem.
  - Au! - grunhiu Rafael.
  - Que foi?
  - Raspei a perna neste bico estúpido - respondeu, ao mesmo tempo que esbofeteava a ponta da cerca, como se quisesse libertar aquela raiva momentânea.
  Mas era algo de pouca importância, por isso, em pouco tempo, aquela dor tinha sido substituída por mais um pouco de curiosidade e os irmãos continuaram a dirigir-se ao círculo, que agora flutuava no meio dos três troncos encarquilhados de uma árvore velha, um pouco mais à esquerda do que antes, parecendo ter sido arrastada pelo vento que começava a levantar-se mais forte.
  - Não é fumo - comentou Gabriel, em segredo, com Michael.
  Parecia não querer que aquilo o ouvisse.
  - Pois não - respondeu Michael. - É muito opaco.
  E, de facto, não conseguiam ver através nem à volta do que se tinham apercebido, então, que era uma esfera e não um círculo, pois emitia um brilho forte, branco, que contrastava com o escuro do bosque e daquele céu nublado, como se fosse um pequeno sol que pairava ali, ao nível dos seus olhos.
  Não se moveu quando decidiram aproximar-se mais, nem quando chegaram perto dos três troncos enrugados e a fitaram, sem falar, durante cerca de dez minutos. Parecia feita de vidro branco, maciço, pesado e baço, e tais características funcionaram como uma provocação à curiosidade táctil de Michael, que, passado tanto tempo, ganhou coragem e estendeu a mão. A luz que emanava do objecto era forte, mas aos irmãos tal não fazia diferença.
  - Vais tocar-lhe? - perguntou Rafael num tom de incredulidade.
  - O que é que te parece?!
  E susteve a mão no ar.
  - Nem sabes o que é!
  - E não vou descobrir se ficar especado a olhar para ela - ripostou.
  E voltou, de novo, o olhar na direcção da esfera .
  Sentia um pouco de medo, mas a curiosidade era maior e aumentou ao aperceber-se de que a esfera branca era mesmo feita de fumo. Era fria, mas para além disso, não a sentia. Era como se nem estivesse ali, e, apesar disso, embora a sua mão estivesse mesmo ali, dentro da esfera já não a via.
  - É fria - constatou.
  - E afi... - começou Rafael.
  A sua frase foi interrompida quando, de repente, a esfera, que outrora estivera imóvel, estremeceu."



Mais um excerto que leva a mais um pouco de acção. Não tenho publicado tanto ultimamente, mas continuo a escrever e espero continuar a ter o mesmo ou mais apoio de quem lê e aprecia :)

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" Once in a while, they'd let their minds wonder a little bit just by looking at each other and by looking around. They'd observe the clouds, look at the tall grass that had that distinctive and strong smell and all the tombstones that filled the square made by the black iron fence.
  Sometimes they'd hear someone coughing or someone else sniffing and sticking their face in the old rag that they used as a tissue.
  Michael wasn't feeling sad, but he was nostalgic, just like his brothers. He didn't know why or how they had gotten there, but it didn't make a difference. Whatever was, it just was. And so, because he liked observing, he started searching for a distraction in everything around him. Suddenly he could see how, even without any sunlight, everything was shinning  as if everything was crying. He could feel the wind blowing by his sweaty hands and, far away where the trees seemed to dance around in the wind, he could notice a spot that was glittering more intensely . He kept his eyes on it for a little while because he couldn't seem to make out whatever that was, but it vanished a bit after, so Michael went back to paying attention to everything surrounding him. Sad people dressed in black, that, after all the prayers and after the coffins went under the darkness of the pit, started dragging their feet back to their own lives. William and Muriel followed them while the brothers stayed for a little longer.
  - This is stupid - Rafael said.
  - What is?
  - All of this - he kept going. - I think it's stupid that they bury them.
  - Not everyone thinks like that - Gabriel riposted. - You don't have to be so rude.
  - People lose all their dignity like this.
  - Don't be an idiot! - Michael exclaimed.
  And then he turned his back on them and started walking back to the exit, followed by his brothers.
  He was about to reach the little, black iron gate that shut the square, when Gabriel grabbed him by the arm of his shirt that was on the reach of his fingers, because it was only covered by a shinny black vest.
  - Hey! - Michael grumbled - What?
  - Look - Gabriel said.
  He was pointing at the trees, far away, where now they could see the odd, white glitter that Michael had seen before. A small, light colored circle that was floating in the wind along with the green leaves.
  - What is it? - Rafael asked to himself, even tho he did it loudly.
  - I don't know - Michael answered. - It looks like a smoke ball.
  - If it was a smoke ball, it wouldn't stay in the same place like that - Gabriel said.
  - I know, but i can't think of anything else that can hover like that.
  Meanwhile, they had already forgotten the little gate and were walking towards what they still thought to be a smoke ball. For a second they were stopped from walking because of the little fence that, even having been forgotten, was still in their way. A little while after they had already gotten their legs over and it and it had now gone from being an obstacle to being just a part of the landscape.
  - Au! - Rafael grunted.
  - What is it?
  - I scratched my leg on this stupid fence! - he answered while he slapped it as if he was looking for a way to let that momentary anger out.
  But that wasn't important, so, in a phew seconds, that pain had been replaced by a little more curiosity and the brothers kept heading towards the circle that was now hovering in the middle of three wizened logs that belonged to one of the trees a little bit more on the left than before, making it look like it had been dragged by the wind that was starting to grow stronger.
  - It's not smoke - Gabriel whispered to Michael.
  He seemed not to want that thing to hear him.
  - It's not - Michael answered. - You can't even see through it.
  And, as a matter of fact, they couldn't see either through or around what they had realized to actually be a sphere and not just a circle, for it had this strong, white, bright light all around it that made it contrast with both the dark of the forest and the cloudy sky, like it was a little sun floating in front of their eyes.
  It didn't move when they came closer or when they came near the three wrinkly logs and looked at it for about ten minutes without saying a word. It looked like it was made of white, solid, heavy, dull glass and such features provoked Michael into touching it. After gathering his courage, he held out his hand in its direction.
  The light that was coming out of it, was blinding strong, but to the brothers, that didn't make a difference.
  - Are you going to touch it? - Rafael asked.
  - What does it look like?
  - You don't even know what it is!
  - And i'm not going to find out what it is by just standing here.
  After saying this, he looked back at the sphere.
  He felt a bit afraid, but his curiosity was stronger and became even stronger when he realized that the white sphere was really made of smoke. It was cold, but, apart from that, he couldn't even feel it. It was like it wasn't even there, and yet, even though his hand was right there, inside it he couldn't see it anymore.
  - It is cold - Michael said.
  - And s... - Rafael started.
  His sentence was interrupted when, suddenly, the sphere that hadn't moved until now, trembled."


One more excerpt that has a little more action. I haven't been posting that much lately, but I didn't stop writing and i hope i have the same or more support now from those who actually read and appreciate my work :)