domingo, 28 de setembro de 2014

Na Biblioteca


" Quando Rafael, Gabriel e Michael saíram, Muriel e William permaneceram à mesa. Acabaram de comer, fitaram-se um ao outro por um pouco mais de tempo e depois William levantou-se, percorreu o salão até ao outro lado da mesa, beijou a testa a Muriel e retirou-se também. Nesse dia, como por vezes faziam, passariam a tarde separados, e não precisavam de palavras para traduzir aquilo que um olhar e um beijo podiam demonstrar: "Amo-te, respeito-te e vou ter saudades".

  Normalmente, o homem passava horas na vila, pois gostava de falar com todos os habitantes, sentar-se na taberna e rir-se com as novidades. De quando em vez, depois disso, circulava pela vila com o seu cavalo negro, para verificar se estava tudo como devia.
  Contando com tudo isto, e conhecendo o marido como conhecia, Muriel perdia-se no tempo com os seus passeios no jardim, a contemplar vestidos acabados de tecer e que lhe iam sendo costurados pelas criadas ou até pelas mulheres da vila, ou apenas na biblioteca, mergulhada nos livros mais fantásticos que conseguia encontrar, e foi o que fez. William coleccionara livros de todos os tipos e de todos os sítios onde tinham vivido, por isso não lhe faltavam novos títulos.
  Quando William atravessou as portas principais, Muriel manteve-se imóvel, de cabeça encostada às costas do cadeirão e olhar preso no tecto. Observava, simplesmente, as linhas douradas que decoravam a superfície acúpulada  acima de si mesma.
  Pouco depois, quando já todas as aventuras que lia nos livros se lhe tinham infiltrado no pensamento, levantou-se e percorreu toda a casa, voltando a sentar-se de novo apenas com um dos seus livros preferidos entre as mãos e o banco de pedra ao nível dos seus olhos. Gostava de se sentar nos degraus do escadote de madeira, e ali ficar durante horas.
  De vez em quando, ao mudar as páginas, ia alternado as posições, sentando-se no chão, de costas contra à madeira do escadote ou deitando-se até na pedra fria, evitando os tapetes, pois queria refrescar o corpo aquecido pelo calor que o pensar produzia.
  Começou pelo início de um livro que havia lido cerca de dez vezes, anteriormente. Era grosso, mas Muriel tinha gosto em lê-lo, portanto começava-o e terminava-o numa tarde: desde o fim do almoço até ao fim da tarde, quando o sol já se escapulia do céu e os olhos pediam descanso. Assim o dia foi passando, normal, igual a todos os outros, mas, desta vez, Muriel resolveu parar de ler um pouco antes.
  Nesse dia, ao fim da tarde e enquanto os irmãos e Eva se encontravam envoltos nas memórias da rapariga, o sol desceu ao nível da terra, debaixo das nuvens cinzentas. Pintado de um vermelho como sangue, inundou todo o céu e montanha, carregando os contornos das nuvens escuras e das árvores e tornando toda a paisagem numa digna de uma interrupção na leitura da senhora, que, ao aperceber-se disto, se levantou, arrumou o livro no espaço da estante que deixara livre e se dirigiu a uma das janelas altas da biblioteca, de forma a poder observar todo aquele cenário. Assim ficou, com a cara maquilhada com aquele vermelho natural que pouco depois pintava também toda a divisão, e com ela todos os seus livros, fazendo sobressair os de capa viva e camuflando aqueles com lombadas mais escuras. Era um espectáculo bonito que realçava também a beleza da mulher, enfeitado com as linhas douradas de alguns livros, que reflectiam a luz exterior nas estantes a toda a sua volta e as fazia lembrar uma árvore de Natal vista do interior.
  Por breves instantes, Muriel recostou-se nas estantes, fechando os olhos, inalando profundamente aquele que se tornou num dos momentos mais pacíficos que até aí havia vivido.
  -Aah! - murmurou, com satisfação.
  Mas pouco durou, tudo isto.
  Sem que desse conta, o sol tinha sido escondido de novo, deixando para trás a penumbra da recém-chegada noite, acompanhada de todos os seus terrores.
  Encostada à parede, foi "acordada" por um pequeno tremor da casa
  "O que foi isto?" pensou, para si mesma. Mas antes que pudesse desencostar-se, fez-se sentir outro igual.
  Muriel olhou em torno de si mesma com esperança de encontrar algum sinal que lhe garantisse que não tinha sido impressão sua. Sabia que, àquela hora, os únicos criados que estariam a pé seriam os cozinheiros, que estavam na cozinha a acabar de preparar o jantar para quando William e os irmãos chegassem.
  Mais um tremor, este mais forte. Agora, Muriel encontrava-se no centro da biblioteca e a visão começava a falhar-lhe devido à falta de luz, e, por isso, também o equilíbrio a traía.
  Depois, um e outro estouro de seguida, desta vez ali bem perto. Começava a ficar assustada. Não sabia o que se estava a passar, nem porquê, e só desejava ter William ali, consigo, para a poder aconchegar.
  De repente, sem razão alguma aparente, a lareira acendeu-se, iluminando toda a biblioteca com brilhos de luz branca, reflectida nos espelhinhos do banco. A confusão na cabeça da senhora ia aumentando, e, não muito longe dali, William regressava, sacudindo as rédeas, chicoteando as costas do corcel, ordenando-lhe que acelerasse a o passo. Algo não estava bem."

Queridos leitores, posso agora dizer-vos que, depois deste, não publicarei mais nenhum texto relacionado com este livro :) felizmente estou a terminá-lo, e agora não vos poderei acalmar a curiosidade ( ou provocar ainda mais ) até que leiam o livro inteiro :) foi o início de uma viagem que espero que seja longa e feliz e agradeço do meu fundo mais profundo todo o apoio que me foi dado por todos os leitores. Castelos de Ar chegou, com isto, às 4500 visualizações e esperemos que assim continue :) muito obrigado e até breve!

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Como Usar um Punhal

"  Repentinamente, tudo parou. Gabriel também se apercebera de algo mais para além da agitação do irmão, mas agora a presença intrusa tinha passado a um par, por isso o fugitivo resolveu subir a um dos pinheiros bravos que o rodeavam. Talvez nas alturas fosse capaz de distinguir alguma figura. Enquanto isso, Rafael parou de disparar, empunhou um punhal que tinha guardado numa das presilhas das calças e encolheu-se, ficando o mais perto do chão possível para que se tornasse indetectável. Sabia que a ele lhe cabia fazer o mesmo que Gabriel de forma a aumentar o campo de visão e ficar igualmente invisível, mas, se assim o fizesse, o mais provável era que fosse visto do que vice-versa, por isso petrificou.
  O silêncio manteve-se daí em diante e continuou inquebrável quando Eva se deixou cair sobre Rafael, dando a Gabriel um vislumbre do seu cabelo brilhante, que Gabriel mal conseguiu distinguir, pois foi imediatamente atropelado pelo que lhe parecia ter a força de um tronco. Com braços bastante fortes, por sinal! Só se apercebeu que se tratava de Michael, quando este lhe deu a oportunidade de se virar sobre as suas costas no tronco onde antes se acocorara, dando de caras com um olhar e sorriso gozão e uma mão que lhe assaltou a cara, cobrindo-lhe a via oral. estava preso pelo irmão mais velho e nem podia ordenar-lhe que o soltasse.
  Estrebuchou um pouco até que, finalmente, o irmão o soltou, mas sem que antes lhe indicasse que não fizesse barulho. Gabriel não percebeu a causa para tal, mas obedeceu, endireitou-se, curvando-se e envolvendo o seu poiso com as mãos.Só depois de se recompor pôde fazer sentido de tudo o que se estava a passar.
  Lá de cima, lado a lado com Michael, conseguiu observar que Rafael estava a ser caçado: encurralado e confundido como um rato que tenta sobreviver a um gato brincalhão ou até mesmo esfomeado. Não de forma séria e perigosa, mas como um treino planeado por Eva, que se encontrava a poucos metros de Rafael empoleirada num outro pinheiro sem que o rapaz se apercebesse de nada. Afinal era esse o objectivo: ver como reagia.
  E ali estava ele, esparramado no chão, coberto de terra e pedaços de plantas, depois de ter sido espezinhado pela rapariga. Quando foi capaz de se apoiar nos pés, pegou no seu arco e direccionou-o às árvores, procurando uma cor diferente ou algo estranho que acusasse o intruso. Conseguia distinguir cada folha de cada conjunto que os seus olhos sondavam, conseguia distinguir cada copa de cada uma das árvores, que ramalhavam à distância, mas do seu atacante não havia sinal. Não havia ruído ou cheiro que o denunciasse, mas, quando menos o esperava, vindo do nada, sofreu mais um encontrão, desta vez no braço direito, que esticava o fio do arco. Desta vez o ataque fez com que Rafael disparasse a flecha para o infinito e perdesse uma munição. A última que tinha: foi o que concluiu quando passou a mão pelo interior vazio do cilindro que tinha pendente nas costas.
  "Bolas", pensou. Não havia sinal de Gabriel e agora nem se podia defender. A sua prática era com arco, mas só tinha o punhal, que continuava inerte no solo e era melhor do que usar as mãos, por isso fez-se ao chão o mais depressa que pôde e voltou a empunhar a arma, que representava a sua última esperança.
  Manteve-se em posição defensiva, com a faca envolta na sua mão direita e de lâmina voltada para fora, para que pudesse esmurrar e esfaquear. Conforme a necessidade. Continuava sem saber o que havia de esperar e, ainda mal se tinha conseguido acalmar, foi obrigado a rodar todo o seu tronco em cento e oitenta graus e, num piscar de olhos, o punhal estava afundado na anca de Eva, e a rapariga... ela estava deitada de lado no chão, rindo-se dolorosamente."


Um texto um pouco mais narrado, mas ainda assim com o mesmo interesse dos outros :p espero que gostem e que me acompanhem até ao fim deste e talvez de muitos outros. Talvez até de uma vida :)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Um Céu de Pássaros de Água

"  E um dia deu-se o que, para Michael, foi um pouco inesperado.
  Era de madrugada e o dia acordara tomado de um humor tropical: morno, sem nuvens  espessas nem sol brilhante, e nos bosques a luz que se instalara era de um verde bonito de água estagnada que, filtrada pela folhagem, criava uma luminosidade serena interrompida por pequenos brilhos causados por farrapinhos de pó ou pólen fugido de flores. Eva estava entretida a nomear espécies de pássaros de que se conseguia lembrar e Michael limitava-se a escutar e mostrar os dentes num sorriso brincalhão.
  - Pronto, pronto! - disse o rapaz entre risadas. - Já percebi que as conheces bem!
  - Mas eu posso continuar! - exclamou Eva, trocista. 
  - Ai é?! Então vá!
  Seguiu-se uma pausa muda.
  - ... Não sei mais - confessou, corando um pouco.
  Michael voltou a rir-se, mas nada disse. Em vez disso saltou com os olhos de árvore em árvore, procurando algum habitante das alturas com que pôr Eva à prova. Em vez disso encontrou um bando mirando-lhes as cabeças lá do alto, calados e de olhos vidrados neles. Eram coloridos. O suficiente para Michael saber que não eram dali. Nunca tinha visto nenhum como aqueles, por isso pensou que talvez estivessem de passagem e sabia que bastava um movimento brusco, uma fala mais alta na sua direcção e num bater de asas desapareceriam antes que Eva pudesse pôr-lhes a vista. 
  Contemplou-os por uns momentos enquanto a rapariga continuava distraída com algo que produzia um segredar no vento. Nada que os pudesse assustar. Os seus olhos pequeninos e brilhantes continuavam prisioneiros da imagem curiosa que eram aqueles dois intrusos, por isso Michael esticou o braço devagar, e com a ponta dos dedos tocou no ombro de Eva. Teve que a agarrar logo a seguir, pois, com toda a sua energia, a rapariga preparava-se para dar um salto e perguntar "O que foi?" na sua voz doce e alegre. Mas calou-se com o gesto de Michael. Em vez disso virou-se devagar, ritmada pela calma do rapaz, para observar o que viria de mais bonito durante os seus longos anos de vida.
  Com aquela luz, as cores exibidas pelas aves eram ainda mais brilhantes. Tinham gotas, como geada derretida, que lhes escorriam desde o cocuruto da cabecinha até à ponta de cada pena. Faziam com que parecessem feitos de água colorida, e no entanto não se desfaziam. Nem sequer pestanejavam. 
  Os olhos de Michael pareciam ter-se apaixonado. Estava petrificado olhando as pequenas criaturas, mas foi puxado de volta à consciência ao sentir um toque leve no seu ombro demónicamente frio. Simultaneamente apercebeu-se de um respirar profundo junto das suas costas, e quando olhou por cima do ombro, de maneira a certificar-se do que era, foi barrado por uma cascata dourada composta por fios de ouro que lhe escorriam ondulosos ao longo do braço. 

  Cheiravam bem. Possuíam um odor único a natureza que Michael não conseguia decifrar. Não sabia se eram flores, se eram folhas, se eram frutos ou até mesmo uma mistura. Uma homogeneidade de tudo o que conhecia e apreciava envolta num suspiro suave que se seguiu de um murmurar ao seu ouvido.
  - Estes não conhecia."

Mais uma pequena parte do livro, esta com um gosto um pouco diferente, que promete transmitir mais um pouco de emoção transcrita por mim e que espero que gostem de ler :)

sábado, 30 de agosto de 2014

Futuro de Ti

"  Mais uma noite em que me sinto a rebentar. Desta vez tenho que apertar um pouco a letra, pois só tenho esta metade de folha e, apesar de não saber quem és, ou mesmo de existes, dás-me vontade de escrever. Dás-me vontade de ter-te nos braços e sentir que estás bem, feliz. Que estamos.
  Ás vezes penso em como tudo seria. Imagino um pouco do filme perfeito em que mergulhamos algures num oceano do mundo, de olhos afundados uns nós outros, talvez até fundidos num só. Tento pensar em como soeria uma vida assim, contigo que, por enquanto, és apenas uma parte do meu vaguear pelas possibilidades de uma vida que há quem diga que é especial.
  Se é ou não, não sei, e, mesmo que tentasse, não to poderia dizer, por isso escrevo-te estas cartas. Talvez um dia as leias, talvez ainda no teu canto perdido no mundo, e saibas que estou a caminho de contemplar esse teu sorriso de um rasgado bonito, de te segurar quando cais, ou mesmo quando não estás para cair, só pelo gosto de segurar um futuro como é o que te contém, nos meus braços debilitados.
  Nestas mãos duridas, segurarei as tuas, neste peito chato, apoiarei a tua cabeça em momentos bons, quando os teus lábios deixarem fugir um raiozinho de luz, maus, quando os teus olhos se cerrarem numa noite chuvosa, ou apenas de sonho, quando o fizerem em forma de noite estrelada de sonhos cobertos de "nós", da vida que iremos levar e de tudo o que o mundo promete prometer.
  Até lá, até que te conheça e te adore, sabe apenas que és a minha salvadora, a minha anja (se é que tal palavra pode existir), e que sem ti, este não seria "eu".

  Com um beijo que dure para sempre 
  Francisco."



Uma outra carta que decidiu ser escrita e que se dirige a alguém especial :) espero que gostem e que as continuem a ler! O livro há-de continuar e hei-de publicar mais excertos, por isso tentem não perder o fio à meada! 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Perdida

  Hoje é uma daquelas noites. Uma de inspiração em que o coração me explode e se espalham manchas de tinta nesta folha de papel suja. Esta noite não sei sobre o que quero escrever, nem porquê, mas já são três da manhã e os meus olhos não parecem querer fechar.
  Não sei do que hei-de falar, e, por isso, falarei de alguém.

  Não te conheço, nem sei quem és. Sei apenas que te encontras para lá desta porta, algures no mundo. Não sei quem és e, de ti, sei apenas que estás por aí, perto ou longe e tão perdida quanto eu, por isso gostava que lesses esta carta que te mando:

"  O mundo é um lugar enorme, confuso e agitado, que nos tortura pela vida dentro. Chega a ser assustador. Dá-me medo, pensar que posso nunca te ver, nunca sentir as curvas perfeitas das tuas feições, o doce dos teus lábios ou sequer a brisa de um abraço teu. É um mundo cruel, este que nos deixa perdidos e desesperados, procurando segurança até no mais fraco fogo de te sentir junto ao peito, trémula, numa noite fria.
 Mas sei que estás algures perdida, e, por isso, tenho que sair, vasculhar todos os cantos deste mundo redondo sem saber do meu futuro e querendo esquecer um passado sem ti. É difícil, mas prometo-te que vou continuar sem nunca arrepiar caminho, que vou encontrar coragem na simples imagem de um sorriso que arranco da imaginação, e que um dia te vou olhar nos olhos, beijar-te os lábios, abraçar-te a cintura e, para que nunca te esqueças, prometo que, todas as noites, entre sonhos e realidade, te segredarei ao ouvido o quanto te vou amar.
  Sei que pode demorar, mas, até lá, imagina que a vida é como uma estrada: curta ou comprida, tem sempre um fim, que é onde te encontrarei.

Um até breve e Um beijo,
De quem te vai amar."


Espero que gostem deste pequeno momento, que nada tem a ver com o livro, mas que espero que se leia tão docemente quanto o senti :)

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Noite na Floresta

"  A presa estava ainda a alguma distância e, antes que estabelecessem contacto visual, Rafael tropeçou ruidosamente duas ou três vezes. Eva estava prestes a mandá-lo de volta para casa, na sua tirania implacável, quando avistou o que esperava poder caçar.
  Era uma visão rara, naquela ou em qualquer região, mas lá estava ele: um lobo enorme, de pelagem cinzenta, cheirando o chão. Enquanto o observavam, viram como se movia com músculos fortes e evidentes, uma cabeça gigante e majestosa e olhos e dentes que, quando a luz lunar encontrava uma fresta por entres as folhas e ia ao seu encontro, brilhavam de tão brancos que eram.
  - Então? - segredou Rafael - E agora?
  Imediatamente, Eva cobriu-lhe a boca.
  - Cala-te que nos ouve!
  E, realmente, Michael conseguiu notar como o animal elevou a cabeçorra e virou as orelhas à sua volta, procurando a fonte daquele segredar. Devagar e cuidadosamente, Eva recuou, puxando cada um dos irmãos pelos seus ombros, liderando-os para longe da besta.
  - Lobos é que não! - regrou assim que estavam longe o suficiente e antes que Rafael lhe lançasse mais alguma pergunta.
  - Porquê?
  - São perigosos. Nunca se sabe se são apenas lobos, nem se estão sozinhos - explicou Eva.
  - Mas parecia estar sozinho - afirmou Gabriel. - E, com isto tudo, também estou a ficar com fome.
  - Também eu, mas nunca se sabe quantos outros podia chamar. É raro e estranho um lobo estar só, a não ser que se sinta pronto para partir, e não me pareceu ser essa a situação.
  - E agora?
  - Agora continuamos - informou a rapariga, retomando a passada à sua forma decidida.
  A noite ainda era jovem e haveriam hipóteses para todos experienciarem aquilo que a Eva fazia vibrar de prazer. Nenhum deles sabia como iria correr, nem mesmo Eva, mas a rapariga olhava para os irmãos: um de costas viradas para si, que a seguia caminhando à sua frente, outro ao seu lado, perdido nos seus pensamentos e o último um pouco mais atrás, atrasado pela sua personalidade aluada e pelos seus tropeções constantes, e sentia uma ligação forte com cada um deles. Não era certo, mas talvez isso se devesse ao facto de todos eles serem um pouco como ela e até um pouco dela.
  Michael e Eva eram idênticos: ambos fortes, tanto física como psicologicamente. Gabriel era o mesmo, embora, nas suas acções, ainda deixasse transparecer um pouco mais de desequilíbrio. Ainda assim tinha uma boa alma, e Rafael era a inocência em pessoa. Talvez fosse o ser humano mais desajeitado que Eva tinha conhecido ao longo da sua vida, o que não significava muito, visto que metade dela a tinha passado enterrada e isolada do mundo, mas ainda assim sabia que, quando posto sob pressão, respondia à letra. A sua bochecha esquerda, antes fortemente esmurrada, era a prova e o motivo que lhe moldara tal impressão. Era um bom trio e, por isso, Eva sentia-se feliz. Estava finalmente acompanhada."




Mais um excerto que está lançado. O livro vai-se desenvolvendo mais e mais, cheio de mistérios e aventuras, e agora aproxima-se um dos capítulos mais importantes e excitantes de toda a história. Obrigado pelo apoio que me tem sido oferecido e espero que continuem a seguir a leitura para saberem o que vem a seguir :)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Afinal, O Que És Tu?

"  Eva suspirou um pouco. Estava a preparar-se, ela própria, para a brisa que há tanto esquecera, mas à qual agora escolhia permitir a entrada. A sua única dúvida era o efeito que teria, mas, afastando o medo, aconchegou as mãos no conforto uma da outra com os dedos encruzilhados e as palmas fundidas, cruzou as pernas e encolheu os ombros, como se se preparasse para aguentar uma força que a tentava arremessar contra a parede. Parecia estar a querer resistir à força do seu próprio passado.
  - Nesse dia os franceses chegaram à linha de Torres Vedras, de pois das espingardas e armas serem polidas, carregadas, polidas e afiadas, limpas e prontas a disparar. Deram-se trocas de tiros e o cerco levou semanas a terminar, mas quem estava pior eram eles!
  - E os teus pais tinham-te sempre com eles? Mesmo com essas batalhas todas? - perguntou Michael.
  - Sim - respondeu Eva. - Eu era o que era. Aguentava melhor a fome do que toda a gente, mas quando havia caça também era quem mais comia!
  Disse isto com um ar de satisfação e orgulho que poria qualquer um feliz, e depois continuou.
  - E durante semanas ali ficámos, até que o exército hostil decidiu retirar. No início, achava-se que o plano era afastarem-se apenas, para recuperar, por isso perseguimo-los até atravessarem a fronteira e voltarem para Espanha."
 " Ainda se deram duas batalhas importantes e, na última, quando a vitória era nossa, o meu pai esteve a uma unha negra de perder a vida.
Se ele não se tivesse distraído, tínhamos vivido estes cinquenta e três anos como pessoas normais, mas a culpa não foi dele. Alimentar-se está-lhe no sangue, e, quando acabou com um dos últimos soldados franceses, o sangue absorveu-lhe todo o auto-controle. O meu pai desapareceu, consumido pelo desejo de demónio, e, ao testemunhar a existência desta estranha criatura, de que já se tinha ouvido falar, mas nunca ninguém realmente vira, um outro soldado, contrariamente a todos os outros que o mesmo viram e fugiram, quis trespassar-lhe o coração, como ouvira que devia fazer-se."
  "Eu ficava sempre por perto durante as batalhas, com a minha mãe, e quando percebi o que se passava, todos ficaram a saber que sou o que sou."
  "O soldado congelou no lugar onde tinha erguido a espada. Com um gesto impulsivo, paralisei-o de dor, esmaguei-lhe o corpo e todas as veias e, em poucos segundos, morreu, privado de todo o sangue que
tinha no corpo. A sua cor vacilou entre o normal, o vermelho e o branco esverdeado que a mistura das suas veias esmigalhadas e da sua pele seca lhe dava.
  Disse tudo isto com um prazer escondido nas suas feições, o que era um pouco aterrorizador. Conseguia observar-se nos seus olhos que, aquele homem, Eva tinha gostado de matar. Era uma mulher protectora, disso não havia dúvida."


Mais um excerto sobre Eva, pois, tal como a vocês, a rapariga também me deixa curioso! Mas, simultâneamente infeliz e felizmente, o mistério continua e espera-se mais um excerto que virá depois de todos terem lido um pouco mais sobre Eva.
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